O modelo urbano corbusieriano é caracterizado pera funcionalização da cidade, sintetizadas num desenho que traduza a ênfase das quatro funções primordiais da urbe: o habitat, o trabalho, o recreio e a circulação. Porém, esta última característica, a da circulação, é a transfiguração de uma cidade-humana para uma cidade-máquina, cujas artérias viárias recortam o espaço ocupado e reportam um aglomerado motorizado a transitar por entre as zonas estabelecidas. A própria dissociação conceitual das quatro funções urbanas significa a dissociação do território em áreas de uso específico, expressando o denominado zoneamento rígido.
As cidades contemporâneas são a reinterpretação desses
conceitos, porém, com alguns agravantes. A cidade dispersa geralmente enfatiza
o zoneamento rígido, que separa as funções urbanas e condiciona as pessoas à
circulação diária entre o trabalho, o lazer e a casa, A segregação das funções
induz à dependência de uma mobilidade automotiva que, conforme o crescimento da
população, exige cada vez mais vias para mais automóveis. E problema continua!
É o ciclo de dependência automotiva que se traduz em grande ocupação
territorial em crescente impacto ambiental.
A dispersão urbana torna inviável o uso de transportes
alternativos, especialmente para os modelos urbanos monocêntricos, pois
caminhar ou andar de bicicleta nesses trajetos diários passa a ser
anti-funcional e, ao passo que se aumenta as distâncias em baixa densidade, o
transporte público se torna demorado e oneroso. Essa deficiência de mobilidade
acaba isolando as comunidades urbanas, limitando o trânsito de crianças,
adolescentes, idosos e pessoas que não tem condições - físicas ou econômicas -
de dirigir. No Latino-americano, a especulação imobiliária atua na busca de
áreas mais afastadas e baratas para lotear e vender.
Nesse modelo de cidade as áreas centrais e monofuncionais se
veem esvaziadas, ocupadas por estacionamentos e, aos poucos, tornam-se
obsoletas e desvalorizadas. A segregação socioespacial e socioeconômica se
instauram nesse cenário, isolando classes, etnias, comportamentos e
desintegrando a noção de comunidade e cidadania. A intolerância à
diversidade culmina no agravamento da violência urbana e a gestão urbana
aos poucos se enfraquece no controle da cidade. A falta de participação nas
decisões e caráter público acaba por potencializar a influência dos
atores econômicos na cidade, gravando todo o quadro descrito.
Por fim, a cidade dispersa é uma cidade cara, consumista,
poluidora e sem senso de coletividade, Mas o grande dilema desse modelo urbano
se dá com as perspectivas de limite dos recursos naturais e do crescente
declínio da qualidade de vida, colocando todo o sistema a beira de um colapso.
Extraído da tese de doutorado de mesmo nome do título, do Dr.
Geovany Jesse Alexandre Silva - FAU UnB, 2011
Belo texto! Gostaria de opinar com mais propriedade, contudo, por motivos lógicos, me limito ao senso comum . Ato contínuo, entendo que o modelo atual de zoneamento urbano nos impõe um estilo de vida dependente. Essa dependência, por conceito, afasta a autonomia dos indivíduos e nos prende, como bem dito no texto, a "motorização". A separação, parece-me chamada de zoneamento rígido, é facilmente percebida em nosso cotidiano ( ainda mais em Brasília, a cidade dos setores) e, por isso, não é possível estabelecer um conceito voltado a sustentabilidade e a minimização do gasto de tempo e recursos. Portanto, com a brevidade de um comentário e sem sair do senso comum, vejo que a solução, talvez, seria a mudança do paradigma atual, seja ele o individual, para um de valorização do coletivo. Porém, surge a pergunta - como fazer isso? Nesse momento, volto a bola para os especialistas da área e fico atento aos avanços.
ResponderExcluirDe fato, infelizmente as influências apontam para o estilo de vida, como citado, dependente do automóvel individual, tanto por facilidade ou conforto, além da pressão publicitária e da cultura brasileira.
ExcluirTrazendo o fato para o nosso cotidiano, vale lembrar que o caso específico de Brasília, no sonho utópico (para os dias de hoje) de Lúcio Costa, a "Unidade de vizinhança", serviria justamente para funcionar de forma que o indivíduo que habitasse em um dos blocos residenciais, pudesse caminhando, ter em sua quadra um comércio que conseguisse atender suas necessidades básicas diárias, nos chamados "Comércios Locais". Claro que hoje em dia isso não funciona, pois tanto os comércios homogeneizaram seus usos em determinadas quadras, quanto as necessidades do indivíduo vão além do que o comércio pode suprir.
De forma mais abrangente e ainda mais abrupta, observamos o que acontece nas cidades satélites, onde na terra do "serviço público" é necessário se deslocar dia após dia por vários quilômetros para ir e voltar do trabalho. Pode-se fazer planos de melhoria na mobilidade e implantação de integração de transportes (como está acontecendo), para que seja mais rápida e agradável a viagem diária com o uso do transporte público em linhas segregadas, como a linha verde, o VLT, o VLP e o metrô, por exemplo.
Mas a verdade é que assim como não é possível somente com a arquitetura sanar os problemas sociais, também não é possível somente com o planejamento urbano resolver os problemas de mobilidade e trânsito. A questão é cultural, como dito, para a "valorização do coletivo". Pode ser difícil, mas não é impossível. Aqui mesmo em Brasília temos um bom exemplo de que isso funciona, na época da campanha da faixa de pedestres, de 1996, para 2009 houve redução de 35% de acidentes relativos a atropelamento, mas isso só se tornou possível porque a sociedade abraçou a inovação em prol do bem social.
Conclui-se que, é necessária uma equalização da responsabilidade do governo, em suas políticas de expansão e mobilidade, dos profissionais da área em fazer isso de forma funcional, e da sociedade em acatar os recursos para o bom funcionamento das cidades.